A história do design editorial no livro infantil é indissociável da história do Livro assim como do percurso traçado pela literatura infanto-juvenil. O design editorial projecta a forma e determina as características funcionais, estruturais e estéticas do Livro, materializando o seu conteúdo textual e/ou imagético.
Visando a melhoria da qualidade de uso do livro, o design editorial tem vindo a considerar um número cada vez maior de intervenientes nas decisões a tomar sobre um projecto, decorrente da multidisciplinaridade em que se move, ao mesmo tempo que procura a satisfação de um conjunto de objectivos cada vez mais alargado que é definido, hierárquica e cronologicamente, para cada um dos destinatários do seu produto: leitor, consumidor, vendedor, distribuidor, editor, autor (escritor e/ ou ilustrador), complexificando todo o processo de produção.
Recuando no tempo, podemos admitir que o design gráfico, em particular o editorial, sempre existiu desde que se construiu o primeiro livro. A História foi sempre encaminhada pelas inovações técnicas e tecnológicas, que permitiram prosperar a forma e a preservação dos volumes sempre com o objectivo da melhoria e aperfeiçoamento da utilização, manuseamento e produção do livro.
Quer se tratasse de redigir sobre argila, pedra, madeira ou papiro, a forma de apresentação do livro requereu sempre a projecção da sua utilização. O "Karthés" ou "Volumen" tratava-se de um cilindro de papiro, facilmente transportável, que era desenrolado à medida que era lido. Mais tarde, o Códex, que surge com os Gregos para a compilação das leis, é aperfeiçoado pelos Romanos, nos primeiros anos da Era Cristã, utilizando-se o pergaminho - excerto de couro bovino ou de outros animais - para a construção das páginas compiladas e mais facilmente unidas por costurado do que o papiro. O livro ganha então a forma rectangular que hoje conhecemos constituindo-se como um conjunto de páginas cosidas que suportam a informação a distribuir. Toda a produção é manual e apenas acessível às elites, políticas e religiosas, que os encomendam, e não se conhece a existência de livros infantis, expressa ou implicitamente dirigidos às crianças, desta época.
Aprovado e incentivado pela Igreja, que via o objecto como um veículo das suas teses e ideologias, ao livro acresce o valor do trabalho dos monges copistas, notoriamentea partir do século XIII, que reproduziam as obras carregadas de artísticas iluminuras e recursos gráficos que decoravam os textos. É com eles que se definem as primeiras regras no que diz respeito à mancha do texto em colunas, às margens e ao trabalho tipográfico de entreletra e entrelinhamento. A sua responsabilidade era a de copiar fielmente o design do original reproduzindo os arranjos estéticos que valorizavam as obras. A velocidade de produção era obviamente baixa e o custo por unidade elevado devido ao detalhado e moroso trabalho de reprodução. As crianças continuavam esquecidas embora algumas, por ingressarem nas instituições religiosas desde cedo, tivessem acesso ao livro.
No século XIV, com a gravação do conteúdo de cada página em blocos de madeira, mergulhados em tinta, o livro conhece a impressão em papel. A juntar-se ao avanço tecnológico da invenção de Johannes Guttenberg, os tipos móveis reutilizáveis aceleram a produção do livro em série reduzindo drasticamente o seu custo. A variedade tipográfica é muito limitada mas começa a ser desenvolvida no sentido de se garantir a legibilidade. O desenho das letras é simplificado para garantir a impressão de todos os detalhes dos grafemas e para facilitar a execução e a produção dos tipos.
Os "Hornbooks", gravados em folha de couro, com origem em Inglaterra no século XV, serviam os estudos das crianças. Eram conhecidos como "Crisscross", provavelmente como uma referência à cruz de Cristo pela semelhança formal. O texto compacto não deixava espaço para ilustrações pelo que estas se encontravam normalmente gravadas no verso.
Aldus Manutius (1450-1515), humanista, impressor e editor, promove a construção de novas fontes tipográficas, encomendando o desenho da primeira fonte em itálico, e define novas técnicas de encadernação assim como o pequeno formato "de bolso" com o intuito de difundir as obras clássicas da literatura grega que muito apreciava.
Jonh Amos Cumenius, um bispo da Morávia, publica em 1658 aquele que é considerado o primeiro álbum ilustrado ("Picture Book") para crianças, sob o título "Orbis Pictus" - O Mundo ilustrado.
Página "A Barbearia" de "Orbis Pictus", impresso em 1658, tido como o primeiro livro educativo impresso.
Nos séculos seguintes o livro enquanto objecto é aperfeiçoado, atribuindo-se pela primeira vez valor ao efeito da lombada, quando exposta nas prateleiras de uma livraria ou biblioteca, pelo que esta passa a receber decorações e, tal como acontece com as capas, a merecer cada vez maior atenção e trabalho.
Uma página da versão de "O Gato das Botas" de Charles Perrault escrita e ilustrada manualmente, do fim do século XVII (1695), integrada em "Os contos da Mãe Ganso".
Fotografia da edição original do livro com mecanismos de Pop-up "A Mãe Ganso" com ilustrações de Harold B. Lentz. Editora: Nova Iorque, Blue Ribbons, 1933
As linguagens gráficas impressas evoluem lentamente até ao aparecimentoda fotografia, no século XIX, que teve uma enorme influência nos processosde reprodução. Através da investigação e desenvolvimento da fotoquímica surgem a Rotografia, a Flexografia e o "Offset" utilizado ainda hoje. O processo de produção do livro é facilitado, acelerado, com custos mais baixos, e o designer pode, finalmente, levar o seu projecto à impressão sem quaisquer condicionantes à sua liberdade criativa.
Em 1765 o editor Robert Sayer produz, expressamente para crianças, a primeira série de "Movable books" ou "Harlequinades" devido ao movimento do papel e por referência a Harlequim.
Simultaneamente, a busca por novos materiais de suporte ao texto e à imagem impulsionam a investigação e a produção de novos papéis, diferentes gramagens, novas técnicas de dobragem, acabamento, encadernação, que melhoram cada uma das etapas de produção do livro. A literatura infantil, em grande parte "anexada" pelas crianças, ganha expressão com a produção de edições luxuosas, profusamente ilustradas e, muitas delas, ainda coloridas manualmente.
Título: Songs of Innocence
Escritor: William Blake
Ilustrador: William Blake
Editora: William Blake, 1789
Poeta e pintor inglês, excelente gravador, dos primeiros autores a integrar a tipografia na e como ilustração, colorida manualmente, projectando cada página como um quadro. Intensamente dedicado à poesia, produziu uma série de edições dirigidas à infância.
É também durante o século XIX que a escola pública acontece e, com ela, as primeiras edições para crianças. Desde os manuais escolares à Literatura Infanto-juvenil, o projecto livro encontra um novo mercado e adapta-se ao seu novo destinatário impulsionando a ilustração nos livros como representação gráfica que questiona, aligeira, esclarece, embeleza e complementa o texto.
Ilustração de Beatrix Potter (1866-1943) famosa escritora e ilustradora de inúmeros livros dedicados às crianças. Ainda hoje se publicam as histórias de "O Coelho Pedro" (1902), "Pata Patrícia" ou "Rita Migalha".
Título: The Princess Nobody - A Tale of Fairyland
Escritor: Andrew Lang
Ilustrador: Richard Doyle
Editora: E.P. Dutton, 1884
A produção de livros desenvolve-se significativamente com a Revolução Industrial, fazendo chegar a informação e a formação necessárias à mão-de-obra que se especializa.
O início do século XX conhece, com a escola Bauhaus, a sistematização do Design Editorial com as primeiras linhas gráficas que regram a organização do espaço compositivo. O estudo do design gráfico como disciplina ganha expressão com o advento da publicidade e da comunicação institucional que requer cada vez maior diferenciação, pelo mercado concorrencial, e portanto exige profissionais que se dediquem à actividade.
Título: Pequeno azul e pequeno amarelo
Escritor: Leo Leonni
Ilustrador: Leo LeonniEditora: Kalandraka, 2007 (reedição)
História de duas manchas de cor num projectode design simples, resumido à liberdade de movimento das manchas pelas páginas.
Título: Na noite escuraEscritor: Bruno MunariIlustrador: Bruno MunariEditora: Cosac Naify, 2008 (Edição original de 1956)
O livro como objecto explorado pelo ritmo visual dos recortes nas páginas, pela variação das texturas do papel e pelas manchas de cor simples que dão forma à coerência visual da história.
Com os PC - Personal Computer, e o desenvolvimento de aplicações de edição de texto, mas mais ainda quando surgem, em meados dos anos 80, as primeiras aplicações destinadas à fotocomposição e ao design editorial, a produção do livro parece acessível a qualquer um desde que num contexto económico favorável que lhe permita trabalhar com o equipamento necessário. Surgem os mais variados projectos gráficos editoriais, profissionais, amadores, experimentais e artísticos. A disciplina de design gráfico, com a vertente editorial, ganha força como formação académica superior e lança finalmente para o mercado profissionais que se dedicam ao seu estudo e prática em exclusivo. A facilidade e a velocidade de produção apenas dependem da procura do mercado para o equilíbrio económico de todos os intervenientes no processo.
Toda esta evolução do livro objecto, que derivou das inovações tecnológicas, foi sempre financiada pelas ideologias de cada momento histórico. Mas esse é outro plano teórico cujo aprofundamento mereceria um outro espaço e tempo que não o deste artigo.
Essencialmente, os grandes avanços registados devem-se à influência da Religião e da Política sobre a sociedade, que detêm o poder de difusão e escolha dos livros que devem ser recomendados e dos leitores a quem se destinam. Com a globalização conquistada pela implementação da Internet, a sociedade é hoje mais livre no acesso a um enorme volume de conteúdos disponíveis "on-line", o que permite aos mediadores dos livros para crianças fazerem as suas escolhas e propostas de modo mais informado.
Um bom exemplo da influência política sobre o livro encontra-se nos múltiplos Planos Nacionais de Leitura que têm conhecido a luz nos últimos anos. Ao recomendar a leitura, o Estado sabe que está a incentivar a produção do livro.
Título: The amazing paper Cuttings of Hans Christian Andersen
Escritor: Beth Wagner Brust
Editora: Houghton Mifflin Company, 2003
Autor conhecido essencialmente pelas histórias para crianças, maioritariamente contos de fadas, apesar de ilustrador e com um legado muito interessante nesta área, recorria a outros ilustradores para as suas obras por entender que estes prestariam um melhor serviço ao livro.É recente o passado do Livro Infantil com muito pouca produção exclusiva e/ou implicitamente dirigida às crianças. A Década da Literacia, iniciada em 2003, reconhece o crescente poder da leitura, e portanto da utilização do livro, na formação das crianças. E a indústria livreira reconhece o potencial do mercado das edições de livros infantis que alimentarão essa formação agora tida como necessária. Encomendam-se, traduzem-se e publicam-se hoje, como nunca, livros infantis.
Para aceder ao trabalho completo que deu origem a esta publicação clique aqui.
Fonte das imagens:
. Indiana University, Perdue University, Indianapolis
. Gutenberg
. Washington University Libraries, Projecto de Conservação de livros
. Sítio dedicado aos livros "Pop-up". Museu Tate de Londres, a propósito de uma exposição sobre o autor William Blake
. Sítio dedicado ao Coelho Pedro e à autora Beatrix Potter
. Organização Rare Book Room
. Editora Kalandraka
. Editora Cosac e Naify
. Odense City Museums, especializado na vida e obra de Hans Christian Andersen
8 comentários:
Pequeno azul e pequeno amarelo, que livro bonito e que boa mensagem transmite.
A minha neta tem 5 anos e já o tem, desde os 3, gosta imenso.
Ou não fosse da kalandraka, que para mim é uma grande editora.
BJo
Áurea
grande post! obrigada
Acho muito interessante esta abordagem aos livros de literatura infantil pela via do projecto gráfico. De facto, para além das palavras e da ilustração o LLI deve ser lido como um todo. É um tópico que interessa particularmente e sobre o qual gostaria de encontrar mais informação. Que investigação tem sido feita nesse âmbito?
Olá Manuel Jorge, este artigo é um resumo baseado num dos trabalhos que desenvolvi durante a pós-graduação. Sou designer e portanto "leio" os livros sob uma perspectiva de "projecto" também, atendendo à forma e à função. Na altura não encontrei nada exclusivamente dedicado à dicotomia livro infantil/ design gráfico, pelo que trabalhei com base em vários autores que se dedicaram a uma ou a outra área. Se estiver interessado, posso facultar-lhe a bibliografia do trabalho, acredito que é um bom princípio. Helena Gonçalves
Gostei muito do artigo. Normalmente, quando se fala em história do livro, a atenção é dada para o texto escrito. Vou linkar no meu blog, ok?
Por favor, seria possível disponibilizar a bibliografia do seu artigo, uma vez que tenho interesse em ler mais sobre o assunto.
Atenciosamente,
Juliana Pádua
Olá Juliana,
Quera por favor enviar o seu endereço de e-mail para o endereço que consta no rodapé da coluna da direita do nosso blogue em "contacto do blogue". Terei todo o gosto em partilhar consigo a bibliografia do artigo e envio-lha para o seu e-mail.Helena Gonçalves
Oi Heloísa,
tenho o mesmo interesse que a Juliana. Estou estudando e gostaria de ter acesso à bibliografia. Sou brasileira entao se você conhecer livros (brasileiros) do âmbito de desenvolvimento gráfico, editorial, enfim, tudo o que envolver livro infantil, me interessa muito.
Obrigada.
Att. Manuacassia
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