quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Breve História do design editorial no Livro Infantil

A história do design editorial no livro infantil é indissociável da história do Livro assim como do percurso traçado pela literatura infanto-juvenil. O design editorial projecta a forma e determina as características funcionais, estruturais e estéticas do Livro, materializando o seu conteúdo textual e/ou imagético.

Visando a melhoria da qualidade de uso do livro, o design editorial tem vindo a considerar um número cada vez maior de intervenientes nas decisões a tomar sobre um projecto, decorrente da multidisciplinaridade em que se move, ao mesmo tempo que procura a satisfação de um conjunto de objectivos cada vez mais alargado que é definido, hierárquica e cronologicamente, para cada um dos destinatários do seu produto: leitor, consumidor, vendedor, distribuidor, editor, autor (escritor e/ ou ilustrador), complexificando todo o processo de produção.

Recuando no tempo, podemos admitir que o design gráfico, em particular o editorial, sempre existiu desde que se construiu o primeiro livro. A História foi sempre encaminhada pelas inovações técnicas e tecnológicas, que permitiram prosperar a forma e a preservação dos volumes sempre com o objectivo da melhoria e aperfeiçoamento da utilização, manuseamento e produção do livro.

Quer se tratasse de redigir sobre argila, pedra, madeira ou papiro, a forma de apresentação do livro requereu sempre a projecção da sua utilização. O "Karthés" ou "Volumen" tratava-se de um cilindro de papiro, facilmente transportável, que era desenrolado à medida que era lido. Mais tarde, o Códex, que surge com os Gregos para a compilação das leis, é aperfeiçoado pelos Romanos, nos primeiros anos da Era Cristã, utilizando-se o pergaminho - excerto de couro bovino ou de outros animais - para a construção das páginas compiladas e mais facilmente unidas por costurado do que o papiro. O livro ganha então a forma rectangular que hoje conhecemos constituindo-se como um conjunto de páginas cosidas que suportam a informação a distribuir. Toda a produção é manual e apenas acessível às elites, políticas e religiosas, que os encomendam, e não se conhece a existência de livros infantis, expressa ou implicitamente dirigidos às crianças, desta época.

Aprovado e incentivado pela Igreja, que via o objecto como um veículo das suas teses e ideologias, ao livro acresce o valor do trabalho dos monges copistas, notoriamentea partir do século XIII, que reproduziam as obras carregadas de artísticas iluminuras e recursos gráficos que decoravam os textos. É com eles que se definem as primeiras regras no que diz respeito à mancha do texto em colunas, às margens e ao trabalho tipográfico de entreletra e entrelinhamento. A sua responsabilidade era a de copiar fielmente o design do original reproduzindo os arranjos estéticos que valorizavam as obras. A velocidade de produção era obviamente baixa e o custo por unidade elevado devido ao detalhado e moroso trabalho de reprodução. As crianças continuavam esquecidas embora algumas, por ingressarem nas instituições religiosas desde cedo, tivessem acesso ao livro.

No século XIV, com a gravação do conteúdo de cada página em blocos de madeira, mergulhados em tinta, o livro conhece a impressão em papel. A juntar-se ao avanço tecnológico da invenção de Johannes Guttenberg, os tipos móveis reutilizáveis aceleram a produção do livro em série reduzindo drasticamente o seu custo. A variedade tipográfica é muito limitada mas começa a ser desenvolvida no sentido de se garantir a legibilidade. O desenho das letras é simplificado para garantir a impressão de todos os detalhes dos grafemas e para facilitar a execução e a produção dos tipos.


Os "Hornbooks", gravados em folha de couro, com origem em Inglaterra no século XV, serviam os estudos das crianças. Eram conhecidos como "Crisscross", provavelmente como uma referência à cruz de Cristo pela semelhança formal. O texto compacto não deixava espaço para ilustrações pelo que estas se encontravam normalmente gravadas no verso.
Aldus Manutius (1450-1515), humanista, impressor e editor, promove a construção de novas fontes tipográficas, encomendando o desenho da primeira fonte em itálico, e define novas técnicas de encadernação assim como o pequeno formato "de bolso" com o intuito de difundir as obras clássicas da literatura grega que muito apreciava.

Jonh Amos Cumenius, um bispo da Morávia, publica em 1658 aquele que é considerado o primeiro álbum ilustrado ("Picture Book") para crianças, sob o título "Orbis Pictus" - O Mundo ilustrado.


Página "A Barbearia" de "Orbis Pictus", impresso em 1658, tido como o primeiro livro educativo impresso.
Nos séculos seguintes o livro enquanto objecto é aperfeiçoado, atribuindo-se pela primeira vez valor ao efeito da lombada, quando exposta nas prateleiras de uma livraria ou biblioteca, pelo que esta passa a receber decorações e, tal como acontece com as capas, a merecer cada vez maior atenção e trabalho.

Uma página da versão de "O Gato das Botas" de Charles Perrault escrita e ilustrada manualmente, do fim do século XVII (1695), integrada em "Os contos da Mãe Ganso".

Fotografia da edição original do livro com mecanismos de Pop-up "A Mãe Ganso" com ilustrações de Harold B. Lentz. Editora: Nova Iorque, Blue Ribbons, 1933

As linguagens gráficas impressas evoluem lentamente até ao aparecimentoda fotografia, no século XIX, que teve uma enorme influência nos processosde reprodução. Através da investigação e desenvolvimento da fotoquímica surgem a Rotografia, a Flexografia e o "Offset" utilizado ainda hoje. O processo de produção do livro é facilitado, acelerado, com custos mais baixos, e o designer pode, finalmente, levar o seu projecto à impressão sem quaisquer condicionantes à sua liberdade criativa.



Em 1765 o editor Robert Sayer produz, expressamente para crianças, a primeira série de "Movable books" ou "Harlequinades" devido ao movimento do papel e por referência a Harlequim.

Simultaneamente, a busca por novos materiais de suporte ao texto e à imagem impulsionam a investigação e a produção de novos papéis, diferentes gramagens, novas técnicas de dobragem, acabamento, encadernação, que melhoram cada uma das etapas de produção do livro. A literatura infantil, em grande parte "anexada" pelas crianças, ganha expressão com a produção de edições luxuosas, profusamente ilustradas e, muitas delas, ainda coloridas manualmente.


Título: Songs of Innocence
Escritor: William Blake
Ilustrador: William Blake
Editora: William Blake, 1789
Poeta e pintor inglês, excelente gravador, dos primeiros autores a integrar a tipografia na e como ilustração, colorida manualmente, projectando cada página como um quadro. Intensamente dedicado à poesia, produziu uma série de edições dirigidas à infância.

É também durante o século XIX que a escola pública acontece e, com ela, as primeiras edições para crianças. Desde os manuais escolares à Literatura Infanto-juvenil, o projecto livro encontra um novo mercado e adapta-se ao seu novo destinatário impulsionando a ilustração nos livros como representação gráfica que questiona, aligeira, esclarece, embeleza e complementa o texto.

Ilustração de Beatrix Potter (1866-1943) famosa escritora e ilustradora de inúmeros livros dedicados às crianças. Ainda hoje se publicam as histórias de "O Coelho Pedro" (1902), "Pata Patrícia" ou "Rita Migalha".


Título: The Princess Nobody - A Tale of Fairyland
Escritor: Andrew Lang
Ilustrador: Richard Doyle
Editora: E.P. Dutton, 1884

A produção de livros desenvolve-se significativamente com a Revolução Industrial, fazendo chegar a informação e a formação necessárias à mão-de-obra que se especializa.

O início do século XX conhece, com a escola Bauhaus, a sistematização do Design Editorial com as primeiras linhas gráficas que regram a organização do espaço compositivo. O estudo do design gráfico como disciplina ganha expressão com o advento da publicidade e da comunicação institucional que requer cada vez maior diferenciação, pelo mercado concorrencial, e portanto exige profissionais que se dediquem à actividade.


Título: Pequeno azul e pequeno amarelo
Escritor: Leo Leonni
Ilustrador: Leo Leonni
Editora: Kalandraka, 2007 (reedição)
História de duas manchas de cor num projectode design simples, resumido à liberdade de movimento das manchas pelas páginas.


Título: Na noite escura
Escritor: Bruno MunariIlustrador: Bruno MunariEditora: Cosac Naify, 2008 (Edição original de 1956)
O livro como objecto explorado pelo ritmo visual dos recortes nas páginas, pela variação das texturas do papel e pelas manchas de cor simples que dão forma à coerência visual da história.


Com os PC - Personal Computer, e o desenvolvimento de aplicações de edição de texto, mas mais ainda quando surgem, em meados dos anos 80, as primeiras aplicações destinadas à fotocomposição e ao design editorial, a produção do livro parece acessível a qualquer um desde que num contexto económico favorável que lhe permita trabalhar com o equipamento necessário. Surgem os mais variados projectos gráficos editoriais, profissionais, amadores, experimentais e artísticos. A disciplina de design gráfico, com a vertente editorial, ganha força como formação académica superior e lança finalmente para o mercado profissionais que se dedicam ao seu estudo e prática em exclusivo. A facilidade e a velocidade de produção apenas dependem da procura do mercado para o equilíbrio económico de todos os intervenientes no processo.

Toda esta evolução do livro objecto, que derivou das inovações tecnológicas, foi sempre financiada pelas ideologias de cada momento histórico. Mas esse é outro plano teórico cujo aprofundamento mereceria um outro espaço e tempo que não o deste artigo.

Essencialmente, os grandes avanços registados devem-se à influência da Religião e da Política sobre a sociedade, que detêm o poder de difusão e escolha dos livros que devem ser recomendados e dos leitores a quem se destinam. Com a globalização conquistada pela implementação da Internet, a sociedade é hoje mais livre no acesso a um enorme volume de conteúdos disponíveis "on-line", o que permite aos mediadores dos livros para crianças fazerem as suas escolhas e propostas de modo mais informado.

Um bom exemplo da influência política sobre o livro encontra-se nos múltiplos Planos Nacionais de Leitura que têm conhecido a luz nos últimos anos. Ao recomendar a leitura, o Estado sabe que está a incentivar a produção do livro.


Título: The amazing paper Cuttings of Hans Christian Andersen
Escritor: Beth Wagner Brust
Editora: Houghton Mifflin Company, 2003
Autor conhecido essencialmente pelas histórias para crianças, maioritariamente contos de fadas, apesar de ilustrador e com um legado muito interessante nesta área, recorria a outros ilustradores para as suas obras por entender que estes prestariam um melhor serviço ao livro.
É recente o passado do Livro Infantil com muito pouca produção exclusiva e/ou implicitamente dirigida às crianças. A Década da Literacia, iniciada em 2003, reconhece o crescente poder da leitura, e portanto da utilização do livro, na formação das crianças. E a indústria livreira reconhece o potencial do mercado das edições de livros infantis que alimentarão essa formação agora tida como necessária. Encomendam-se, traduzem-se e publicam-se hoje, como nunca, livros infantis.

Para aceder ao trabalho completo que deu origem a esta publicação clique aqui.

Fonte das imagens:
. Indiana University, Perdue University, Indianapolis
. Gutenberg
. Washington University Libraries, Projecto de Conservação de livros
. Sítio dedicado aos livros "Pop-up". Museu Tate de Londres, a propósito de uma exposição sobre o autor William Blake
. Sítio dedicado ao Coelho Pedro e à autora Beatrix Potter
. Organização Rare Book Room
. Editora Kalandraka
. Editora Cosac e Naify
. Odense City Museums, especializado na vida e obra de Hans Christian Andersen

8 comentários:

Áurea disse...

Pequeno azul e pequeno amarelo, que livro bonito e que boa mensagem transmite.
A minha neta tem 5 anos e já o tem, desde os 3, gosta imenso.
Ou não fosse da kalandraka, que para mim é uma grande editora.

BJo
Áurea

sara disse...

grande post! obrigada

Manuel Jorge Carvalho disse...

Acho muito interessante esta abordagem aos livros de literatura infantil pela via do projecto gráfico. De facto, para além das palavras e da ilustração o LLI deve ser lido como um todo. É um tópico que interessa particularmente e sobre o qual gostaria de encontrar mais informação. Que investigação tem sido feita nesse âmbito?

O Livro Infantil disse...

Olá Manuel Jorge, este artigo é um resumo baseado num dos trabalhos que desenvolvi durante a pós-graduação. Sou designer e portanto "leio" os livros sob uma perspectiva de "projecto" também, atendendo à forma e à função. Na altura não encontrei nada exclusivamente dedicado à dicotomia livro infantil/ design gráfico, pelo que trabalhei com base em vários autores que se dedicaram a uma ou a outra área. Se estiver interessado, posso facultar-lhe a bibliografia do trabalho, acredito que é um bom princípio. Helena Gonçalves

Aline disse...

Gostei muito do artigo. Normalmente, quando se fala em história do livro, a atenção é dada para o texto escrito. Vou linkar no meu blog, ok?

by Juliana Pádua S. Medeiros disse...

Por favor, seria possível disponibilizar a bibliografia do seu artigo, uma vez que tenho interesse em ler mais sobre o assunto.
Atenciosamente,
Juliana Pádua

O Livro Infantil disse...

Olá Juliana,
Quera por favor enviar o seu endereço de e-mail para o endereço que consta no rodapé da coluna da direita do nosso blogue em "contacto do blogue". Terei todo o gosto em partilhar consigo a bibliografia do artigo e envio-lha para o seu e-mail.Helena Gonçalves

Anónimo disse...

Oi Heloísa,

tenho o mesmo interesse que a Juliana. Estou estudando e gostaria de ter acesso à bibliografia. Sou brasileira entao se você conhecer livros (brasileiros) do âmbito de desenvolvimento gráfico, editorial, enfim, tudo o que envolver livro infantil, me interessa muito.
Obrigada.
Att. Manuacassia